Talvez nosso imaginário ainda seja capaz de relembrar um popular jogo de cartas infantil denominado “Mico-preto”. Os jogadores passavam suas cartas com o objetivo de formar pares e no final era derrotado aquele que ficava com a figura do mico, a única carta que não era capaz de formar par. A Pediatria de nosso país tem sido tratada como o mico-preto da Saúde.
Num cenário de custos elevados e subfinanciamento dos serviços prestados, as instituições de saúde buscam alternativas para viabilizar a sobrevivência. Assim, a especialidade responsável pelo cuidado dos zero aos 18 anos, que demanda custos adicionais por aspectos de qualidade e proteção inerentes à idade e que ainda necessita de um quantitativo número de leitos clínicos por características de suas doenças, mesmo com todos avanços na área da prevenção, padece. A nossa Pediatria possui poucos atrativos financeiros para que existam investimentos reais capazes de garantir sustentabilidade.
A Sociedade Brasileira de Pediatria tem chamado atenção para o problema, sinalizando para a diminuição quantitativa do número de leitos que prestam assistência às crianças dentro de nosso país. Em Porto Alegre o fenômeno também é observado. Dados do CNES apontam redução de 20% dos leitos hospitalares infantis nos últimos 15 anos. Mesmo que não estejamos familiarizados com números, podemos enxergar alguns movimentos que podem ilustrar na prática este cenário.
O Hospital Ernesto Dornelles deixou de atender crianças em regime de pronto-atendimento já há algum tempo; o Hospital Materno Infantil Presidente Vargas viu seu status de modelo assistencial da época ser sucateado e, de longe, capaz de ser comparado à capacidade assistencial de outros tempos; o Hospital da Criança Santo Antônio modificou seu modelo assistencial de Emergência; e, discute-se hoje, a possibilidade de que o Serviço Materno-Infantil do Hospital São Lucas deixe de existir, da maneira como sempre se caracterizou, uma instituição de excelência em ensino, pesquisa e assistência.
Necessitamos de um novo regramento, de uma visão focada na saúde de nossas crianças. Todas as políticas de proteção voltadas para faixa etária parecem estar dissociadas desses fatos. A Pediatria não pode ser o mico-preto das instituições, que muitas vezes têm sido forçadas a modificarem seus modelos assistenciais para garantir a sua própria saúde. Este é um jogo em que o mico é de todos e, se não for assim, todos perdem.
Sérgio Luis Amantéa
Presidente da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul
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